sábado, junho 17, 2006

Sidrião e Maristela ou A Goiaba da Discórdia

Este cordel foi escrito a partir de uma confidência que me foi feita por uma amiga com relação às peripécias que aprontou no tempo de sua mocidade. Na verdade o que aproveitei da história foi o cenário e a ação, construindo o enredo com a minha imaginação.

Sidrião e Maristela
Um casal recém casado
No fulgor da juventude
Cada qual mais empolgado
Procuravam o diferente
O ousado, o inusitado.

Dentro de casa não tinha
Mais lugar onde o casal
Já não tivesse explorado
Como cenário ideal
Para suas cenas tórridas
Cada qual mais radical.

Eis o motivo porque
Suas mentes criativas
Do lado externo das casas
Descobriram alternativas
De dar vazão aos desejos
De formas mais atrevidas.

Por isso quando um barulho
Lá no quintal foi ouvido
Por ser noite, Maristela
Foi junto com seu marido
Verificar o que diabo
Ali tinha acontecido.

Nada de errado viram
E por isso relaxaram
E sob um pé de goiaba
A lua cheia avistaram
E nesta contemplação
A mesma coisa pensaram.

Subiram na goiabeira
Sem qualquer dificuldade
Porque quando se é jovem
Tudo sempre é novidade
E o espírito de aventura
Promove a facilidade.

Procuraram entre os galhos
A posição ideal
E depois de acomodado
O criativo casal
Começou a brincadeira
No chamego trivial.

Goiabeira, todos sabem
Não tem copa tão frondosa
Se alguém passasse perto
Naquela hora ditosa
Haveria de flagrá-los
Nessa cena indecorosa.

Mas o breu que a noite trás
Camuflou a brincadeira
Ninguém ali percebeu
Essa dupla presepeira
Trepando de forma dupla
Nos galhos da goiabeira.

No momento mais febril
No furor da emoção
Agitaram-se os galhos
Parecendo um furacão
Caíram tantas goiabas
Que chega cobriu o chão.

Primeiro foram as maduras
Depois caíram as inchadas
E até goiabas verdes
Também foram derrubadas
Dando idéia do alvoroço
Das cenas ali passadas.

Ao cair batiam neles
Pensa que se importaram?
Quanto mais frutos caíam
Mas eles se alvoroçaram
Até quando foi a hora
Que eles se acalmaram.

Tem coisa que acontece
E não tem explicação
Não é que uma goiaba
Ao cair não foi ao chão
Caiu no cofre dos peitos
Mas ela não deu fé não!

Desceu do pé de goiaba
O casal bem satisfeito
E no livro de aventuras
Escreveu mais este feito
Foi aí que Maristela
Viu a goiaba no peito.

Ela pegou a goiaba
E disse: - eu vou guardar
Como lembrança de hoje
E queira se controlar
Não toque nesta goiaba
Se não quiser apanhar.

E assim foram pra casa
Pro descanso merecido
Ela deitou-se primeiro
Não esperou o marido
Foi dormir bem satisfeita
Com o que tinham vivido.

Ele ficou por ali
Qual menino atrás de trela
Com pouco mais ... quem acorda?
Sua mulher, Maristela
Com o danado querendo
Comer a goiaba dela.

Maristela deu uma popa
Que o chão estremeceu
- Não vou dar minha goiaba
e você me prometeu
que a deixaria em paz
será que já se esqueceu?

Se eu lhe der minha goiaba
Sei que vai ser uma dor
Ela é muito especial
Tem importante valor
Por isso pode tirar
Cavalo da chuva, amor.

Por que não come outra coisa
Eu faço com todo gosto
Ele gritou: - Eu não quero!
Com sangue corando o rosto
Eu quero é sua goiaba
Não me dê esse desgosto.

Maristela, que besteira
Me dá logo essa goiaba
Vai terminar dando o bicho
Aí teu prazer de acaba
Ela disse um NÃO tão alto
Que quase a casa desaba.

Ela foi firme e não deu
Sua goiaba ao marido
Ele achou uma desfeita
Um capricho sem sentido
E desse dia em diante
Foi ficando aborrecido.

Com o tempo a tal goiaba
É claro que se estragou
Sidrião tomou abuso
A mulher abandonou
por causa duma goiaba
O casal se separou.

Esse aqui é um exemplo
Cabal de que arrogância
O desrespeito ao semelhante
O orgulho, e a ignorância
Roubam paz, causam conflitos
Viva, então, a tolerância!

FIM

domingo, junho 11, 2006

A peleja da Velha do Bambu com o Velho Mangote

Inicialmente a proposta era a construção a dois teclados de um cordel explorando as manifestações culturais da
Mata Norte de Pernambuco, meia especificamente de Nazaré da Mata. Porém, a certo momento, os versos descambaram para a gréia, a malícia e o desacato, típico do desafio malcriado. A idéia inicial também era que os versos fossem trocados por email, mas de repente estavam sendo construídos na bucha, pelo MSN, um feito até então tido como inédito.



HONÓRIO:
Que a musa me transporte
Nas asas da poesia
E descreva sem tropeços
Mas com graça e euforia
Com disposição e fé
As coisas que Nazaré
Tem pra nós a cada dia.

SUSANA:
Dos cabôco vem a ginga
Que eu vou cantar agora
Tem lanceiro com a guia
Que gira sem mais demora
Tem engenho pra moer
Caldo e Cana pra beber
Quente e doce nessa hora

HONÓRIO:
Tem mestre que não decora
E faz verso de improviso
Canta marcha, canta samba
Que dá um nó no juízo
Vira a noite nas sambadas
Enfeitando as madrugadas
Com verso belo e preciso.

SUSANA:
Tem marcha de todo tipo
Tem de seis e as de dez
Tem ate o samba curto
Pros caboco mais fieis
Tiro os verso de um mote
Vou sambar na zona norte
Pra valer mais de dez réis

HONÓRIO:
Dentre estes menestréis
Tem João Paulo e Barachinha
Tem também mestre João Júlio
Que nunca perde uma linha
Seus versos saem ligeiros
Ele está entre os primeiros
Esta é a visão minha.

SUSANA:
Não esquecendo Biu Roque
Que também é grande mestre
Tem o afiado João Paulo
Que não abre nem com a peste
Eis ai grandes profetas
Que de Nazaré liberta
Os talentos do Nordeste

HONÓRIO:
É uma prova inconteste
Do talento popular
Versos feitos no momento
Sem ter tempo pra pensar
Cada marcha, cada samba
Se projeta, se descamba
Fazendo o povo vibrar.

SUSANA:
É o maracatu rural
Que espalha a energia
Onde o povo se deleita
No carnaval, na folia
Dos engenhos de açúcar
Saem todos para a luta
De manter essa magia

HONÓRIO:
Folgazão na fantasia
bela, imponente, pesada
com gola, meião, funil
com surrão e maquinada
cravo cravado na boca
e pra não dormir de toca
sempre na mão a guiada.

SUSANA:
A historia se repete
de Condado à Aliança
Goiana e Upatininga
Chegando até em Bonança
Pernambuco mata forte
Terra de Leão do Norte
Isso aqui é esperança

HONÓRIO:
Tem baiana que balança
rodando a saia fagueira
reamá com seu penacho
catirina presepeira
tem mateus e caçador
tem o rei com esplendor
e a rainha altanaeira.

SUSANA:
A calunga vem a frente
Desfilando seu papel
Logo atrás tem o cortejo
Que brilha a noite no céu
A lua ate faz parada
Fica cheia, embuchada
Dando à luz um menestrel

HONÓRIO:
Nesse seu sacro papel
De proteger o brinquedo
Faz com que todos brincantes
Desfilem sem qualquer medo
Pois a madrinha calçou
E ninguém não endoidou
De ali meter o dedo.

SUSANA:
Uma pura expressão
Da cultura popular
Que tem na religião
Raça forte milenar
Coisa de negro valente
E também índio temente
Aos deuses do estelar

HONÓRIO:
É brinquedo singular
Que solta o baque e não vira
O terno domina a festa
E quem escuta admira
Os cordões dos folgazões
Na manobra (evoluções)
Que até parece mentira.

SUSANA:
A festa não se acaba
Quando o verso vira mito
O trombone solta a vara
Vem com caixa e apito
Tam a poica e o tarol
Se tem samba tem merol
O restante é puro agito

HONÓRIO:
Eita brinquedo bonito
Que a Mata mostra pra gente
São os leões e estrelas
Cada qual mais imponente
Merece nosso louvor
Quem se entrega com fervor
E segura esse batente.

SUSANA:
Respeito e louvação
Pra essa gente da terra
Que larga sua ticuca
Vai pra rua nessa guerra
Termina o terno chorando
E eu aqui admirando
O tamanho dessa esfera

HONÓRIO:
Penso até que é quimera
Ao ver a rua tomada
Pelo cortejo azougado
Pelo som da maquinada
Pelo encanto dos brincantes
Pelas fitas cintilantes
Pela herança preservada.

SUSANA:
O sol me reflete a dança
Clareia a minha visão
Vejo um mundo de cores
Que relampeja emoção
É o maracatu que vem
De lá de Tracunhanhém
Com garra e animação

HONÓRIO:
E por toda região
Ele não reina sozinho
Porque tem outro folguedo
Que se mete em seu caminho
Disputando a preferência
Jjá que tem muita audiência
Nosso cavalo-marinho.

SUSANA:
Personagens irreais
Desfilando fantasia
Esperando por um boi
Que no dia principia
E enquanto ele não vem
Não arreda ali ninguém
Grande noite de folia

HONÓRIO:
A gréia nos contagia
De riso desabusado
Nunca vi o boi chegar
Pois sempre fiquei "melado"
Antes que ele chegasse
E à platéia mostrasse
A razão desse reisado.

SUSANA:
Mas esse boi eu já vi
Foi em Chã de Camará
Era alta madrugada
Com o dia a raiar
Eu tava la cochilando
E o boi se chegando
Eu senti o seu chifar

HONÓRIO:
Eu não quero despertar
Com um chifre me incomodando
Chifre só presta pra lá
No entanto, vez em quando
Isso eu tenho descoberto
Há quem prefira bem perto
E nem fica reclamando.

SUSANA:
Eu prefiro uma chifrada
De um boizinho bacana
A ser até confundida
Com uma véia mundana
Que só pensa no bambu
Passa a noite no lundu
E vive a pedir banana

HONÓRIO:
Eita verso da goitana!
Exige muita cautela
Se lhe vêem dessa forma
É que se parece com ela
E se não é na idade
É pela necessidade
Que é igualzinha a dela.

SUSANA:
Ai é que mora o engano
Eu lhe digo com franqueza
O poeta me desculpe
Se faltar delicadeza
Bambu véio como o seu
Ambrósio até já me deu
Num faz nem uma proeza

HONÓRIO:
Cuidado, minha princesa
Ao entrar nessa seara
Nunca vistes meu bambu
Como é que o equipara
Ao de tão reles vassalo
O bambu dele é um talo
E o meu é mais que vara.

SUSANA:
Como a bengala de Ambrosio
Eu duvido que ele seja
À bexiga de Mateus
É o mais se empareja
Deixe de conversa mole
Vá simbora num amole
Que a poeta quer peleja

HONÓRIO:
Eu sei o que tu deseja
Adorada poetisa
Mas cuidado senão tu
Acaba levando pisa
Porque aqui tem pareia
E comigo leva peia
Que fica de cara lisa.

SUSANA:
Cara lisa eu já tenho
Num preciso de seu verso
Apure mais sua rima
Uma coisa lhe confesso
Que homem pra dar em mim
Precisa mais que ser ruim
Cê num sabe meu sucesso

HONÓRIO:
Contigo aqui tergiverso
E não é minha intenção
A peleja está bem quente
Quase como um furacão
Mas que tal voltar ao tema
E acabar o poema
Sem ter esculambação?

SUSANA:
Foi você que começou
Adorado cordelista
Entrei sem fazer barulho
Num queria dar na vista
Mas você me provocou
E dando o troco estou
Então primeiro desista

HONÓRIO:
O bambu entrou na lista
E não foi por minha conta
O chifre também foi seu
Assim tu me desaponta
Quem arma segura o taco
Eu vou tampando o buraco
Até você ficar tonta.

SUSANA:
Essa questão de buraco
O poeta conhece bem
O seu buraco é profundo
E sabe o que lhe convém
O apito do Capitão
A espada e o foguetão
No seu buraco já tem

HONÓRIO:
Do meu buraco sei bem
Do alheio eu nada falo
Por mim eu mudo de assunto
Mas se você tem regalo
Em ter o buraco exposto
Eu vou fazer o seu gosto
Até que possa esgotá-lo.

SUSANA:
Regalo eu nunca tive
Mas se o poeta faz gosto
Em conhecer meu buraco
Que nem é assim exposto
Então eu topo o desafio
Mas se deixar eu enfio
O meu verso até o toco

HONÓRIO:
Teu verso pra mim é oco
E não me causa temor
Onde você é aprendiz
Eu sou mais que professor
Hoje eu te mato na unha
Diante de testemunha
Que vai ver o meu valor.

SUSANA:
Tu não me causa pavor
Pois mestre de gafieira
Que passa a noite nos bares
Bebendo que nem goteira
Que nem sabe fazer rima
E quando tenta se empina
Vou te dar é na moleira

HONÓRIO:
Poesia é uma ladeira
Que pra subir dá trabalho
E não é com pabulagem
Que se encontra um atalho
Poeta ruim eu enterro
E quem pensa que é ferro
Sente a força do meu malho.

SUSANA:
Mas aí é ato falho
Já dizia seu doutor
Não entendes de labuta
O meu cordel tem valor
Vai saindo do caminho
Pois meu verso é espinho
Que machuca e causa dor

HONÓRIO:
O teu verso é uma flor
Que se abre sem demora
Numa manhã orvalhada
E fica esperando a hora
Que lhe chegue um colibri
Lhe chupe aqui e ali
E em seguida vai embora.

SUSANA:
Mas aí é sem demora
Chame o colibri aqui
Que lhe corto as asinhas
E não deixo ele sair
Pra pousar em outro ninho
Cometendo o desalinho
De’ele nunca mais fugir

HONÓRIO:
Aquele que conseguir
No teu ninho se alojar
Por certo não vai querer
Bater asas e voar
Entra e sai... porém ligeiro
Volta todo prazenteiro
A tão gostoso lugar.

SUSANA:
Isso posso te afirmar
Sem nenhuma pretensão
O meu ninho é aconchego
Mas pra todo mundo não
Já vá logo dando o fora
Que poeta de escora
Eu não tenho precisão

HONÓRIO:
Nem eu tenho pretensão
E nem coragem me sobra
Porque eu vejo teu ninho
Como um abrigo de cobra
Sendo assim é um perigo
E pra fugir de um castigo
O meu desejo se dobra.

SUSANA:
Se o ninho é de cobra
Já não posso afirmar
Pois quem nele se aninha
Nunca chega a reclamar
Acontece meu amigo
Que ali não tem abrigo
Pra lagarta se chegar

HONÓRIO:
Isso não vou contestar
E nem por isso me anulo
Pois lagarta não quer ninho
Ela gosta é de casulo
Por isso cara colega
A sua faca está cega
E o seu verso está chulo.

SUSANA:
Me acordo de um pulo
Pra te dar uma resposta
A lagarta no casulo
Mariposa já se mostra
Sai voando saltitante
Voa qual um delirante
Procurando uma encosta

HONÓRIO:
A minha lagarta gosta
De ficar bem encolhida
Até quando uma mariposa
Chega metida a sabida
Aí ela se alvoroça
E quem a toca se coça
Que fica de pele ardida.

SUSANA:
Meu poeta sua vida
É um tanto aperriada
Pra isso num leva jeito
É melhor abrir parada
Eu sou uma borboleta
E cometo a faceta
De deixar lagarta assada

HONÓRIO:
Realmente camarada
Muita gente já lhe viu
Vestida de borboleta
Na dança do pastoril
Rebolando e assanhada
Fazendo a rapaziada
Soltar graça e assovio.

SUSANA:
O meu verso é um fio
Afiado de navalha
Meu cordão é encarnado
Feito todinho na malha
Na dança do pastoril
Nem te sobra o assovio
Tu és o velho que falha

HONÓRIO:
Assim você avacalha
Com quem é da boa idade
Mas com o Velho Mangote
É esta a realidade:
De pastora à borboleta
Quem passar pela roleta
Só vai ter felicidade.

SUSANA:
Não me fale de idade
Pois isto ai te sobra
Eu sou fina flor do lácio
Não és vara que me dobra
Mas quem sabe tu um dia
Podes entrar na folia
De me ver comendo cobra

HONÓRIO:
Eu sou pau pra toda obra
Porém dessa eu abra mão
Engulas quantas quiser
Não faço a menor questão
Se acaso engolir a minha
Peço, seja boazinha
E a devolva sem lesão.

SUSANA:
Não tenha preocupação
Adorado cordelista
Sua cobra não ofende
Nem tão pouco me atiça
Pois eu gosto de potencia
Já num tenho paciência
Pois a sua é muito mixa

HONÓRIO:
Contigo não quero rixa
Nem muito menos refrega
Mas você assim dizendo
Parece que se entrega
Mostrando já ter provado
Por isso tome cuidado
Com tudo que diz, colega.

SUSANA:
Quero que eu fique cega
Se aqui eu já menti
Se num entende o que digo
O que tas fazendo aqui?
Sua cobra nunca olhei
Muito menos encostei
Só Deus sabe o que vi

HONÓRIO:
Há muito já presenti
Qual é a sua intenção
Mas não entro nesse jogo
Porque sou um cidadão
Que à mulher tem respeito
E por isso eu não aceito
A sua provocação.

SUSANA:
Se cantar no meu refrão
Já lhe deixa aperriado
Vamos dar com a peleja
Por assunto encerrado
Reconheço seu valor
Até palmas eu lhe dou
E foi dado meu recado

HONÓRIO:
Eu disposto sempre estou
E você já comprovou
Que no meu livro estudou
E dominou a lição
Por isso, Susana, eu digo
Pelejar aqui contigo
Não trouxe qualquer perigo
Nos oito pés-de-quadrão

SUSANA:
Aqui não terá abrigo
Para ti nobre mendigo
Mas parece um papa-figo
Com a cara de mamão
Que só sai pra assustar
A aquele que ousar
Com os olhos te mirar
Nos oito pés-em-quadrão

HONÓRIO:
Foi bom a gente mudar
Porque podemos mostrar
Que poema popular
Tem muita variação
Quem penetra nesta trilha
Encontra quadra, sextilha
Também décima e setilha
E oito pés-de-quadrão.

SUSANA:
Tem também a redondilha
Que me traz a armadilha
É tal qual uma quadrilha
Um folguedo,um foguetão
Onde nela só se dança
Cabra cheio de esperança
De um dia encher a pança
De oito pés-em-quadrão

HONÓRIO:
Quanto mais o tempo avança
Mas você tem confiança
E mostra que tem pujança
Para seguir na função
Eu lhe confesso, Susana
O seu verso é tão bacana
Parece de veterana
Nos oito pés-de-quadrão.

SUSANA:
Esse verso de tirana
É como a suçuarana
Que na espreita sacana
Põe o bote em ação
Ela é feito um açoite
E sai no meio da noite
Pra pegar quem se afoite
Nos oito pés-em-quadrão

HONÓRIO:
Você não se abiscoite
Porque não tem quem lhe acoite
A não ser numa pernoite
Com mais de uma intenção
Por isso não se corrompa
Muito cuidado com a pompa
Se não você se estrompa
Nos oito pés-de-quadrão.


SUSANA:
Que meu verso não se rompa
Já que tenho tanta pompa
Nunca mais me interrompa
Aprenda já esta lição
Nunca pise nesta cova
Pois poeta de uma ova
Esta levando uma sova
Nos oito pés-em-quadrão

HONÓRIO:
Eu não sei se numa alcova
Você também dará prova
Que embora assim tão nova
Domina bem a função
Mas quem sabe melhor seja
Dar uma basta na peleja
E tomar uma cerveja
Pra brindar nosso QUADRÃO.

SUSANA:
Já que é assim que tu deseja
Meu caro poeta Jose Honório
Você é muito bom no oratório
Mas é bem melhor numa peleja
Mas mesmo assim não se empareja
Quem quiser brigar ta convidado
Conhecer um verso de legado
Pois de mim só vai levando fora
Já que és poeta de escora
Dentro de um MARTELO AGALOPADO

HONÓRIO:
Pelejar desta forma com a senhora
Foi pra mim muito mais que um prazer
Porque pude ensinar e aprender
E sentir pouco a pouco sua melhora
Mas um basta precisamos dar agora
Pois quem nasce já é pra ser finado
Porém digo, eu estou gratificado
Por tirar seu "cabaço" num duelo
E encerrar triunfal neste MARTELO
Martelo muito mais que AGALOPADO.

domingo, junho 04, 2006

03/junho - A poesia toma conta do mercado

Mercado da Madalena (Recife-PE)-03/junho/06 - Uma tarde em que a poesia foi a tônica, brotando do encontro fraternal dos que ocupam trincheiras e lutam para que a arte se espalhe no meio povo.
Cordel, poesia matuta, versos antológicos dos cantadores-repentistas, tomaram conta do beco defronte ao Box sertanejo, trazidos pelos poetas da Unicordel, por apologistas e declamadores, como Felizardo Moura. Outras vertentes da poesia, não comprometidas com métrica e rimas, também se fizeram presentes na voz de Chico Espinhara, Cecília Villanova, Gondim, Haydee Camelo e Ericson Luna.
E ainda teve a presença de Ariano Suassuna, Miguel Arraes, Lourival Batista e Pinto do Monteiro, incorporados magistralmente por Maciel Correia.
Voltaremos lá no próximo dia 17/06, a partir das 14 horas.

quinta-feira, junho 01, 2006

Começa a temporada oficial do rala-bucho

Chega o mês de Junho trazendo com ele a temporada do forró, do milho e suas comidas (canjica, pamonha, bolo, etc), bandeirolas coloridas, fogos, fogueiras, quadrilhas, arraiais, palhoções e latadas, preparadas para o arrasta-pé. A poeira sobe, o suor desce, e a tradição resiste a duras penas.

Saudando toda nação forrozeira, posto hoje um cordel construído com as lembranças de menino e a esperança de um futuro benevolente com os valores do passado. Passado que nos deu o Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Marinês, Abdias, Jacinto Silva, e outros ícones, e que nos deu também o eterno Rei Luiz Gonzaga.

MEU SÃO JOÃO COM KAROLINA

A juventude moderna
só quer saber de folia
acha pouco o carnaval
para a farra e para orgia
criou os fora de época
inspirando-se na Bahia.

Micaeiro, Micaru
Micarande, Carnatal
Micarina, Garanheta,
Recifolia e Fortal,
Micaroa, Micaju,
Micaré e o escambau.

Tá vendo? Nenhuma dessas
mexe com minha emoção
não tem nenhuma importância
não cala no coração
do jeito que me emociona
as festas de São João.

Tá certo que tem São Pedro
e o Santo casamenteiro
(Santo Antônio), mais nenhum
se compara, companheiro
com São João do carneirinho
este sim, é mais festeiro.

As más línguas dizem que
é chegado a uma sesta
uma madorna, uma palha
não sei se a verdade é esta
mas dizem que ele dorme
até no dia de sua festa.

Bem que o povo sempre tenta
despertar o dorminhoco
solta grande foguetório
e haja estrondo e papoco
pra ver se ele acorda e vem
conosco brincar um pouco.

Mas nem bomba, nem girândola,
nem foguete, nem rojão,
buscapé, traque, pistola
peido-de-véia ou vulcão
são capazes de acordar
o santo da animação.

Nem por isso a gente deixa
de festejar o seu dia
num mutirão se prepara
tudo com muita alegria,
as bebidas, o dicomê,
e o ambiente da folia.

O meu São João de menino
era acender estrelinhas,
lágrimas, traques-de-sala,
chuva-de-prata, bombinhas,
assar milho num espeto
e brincar de adivinhas.

Tinha uns que praticavam
um ato muito insensato
que sempre achei que era errado
(eles achavam um barato):
amarrar uns fogos de estouro
em algum rabo de gato.

Quando tornei-me um rapaz
mudei pois de brincadeira
ia com meu pai pra mata
para arranjar a madeira
e cortava satisfeito
a lenha para a fogueira.

Depois fazia a latada
bem na frente do terreiro
limpava, batia o barro
pro bate-coxa maneiro
cobria então com capim
ou com palha de coqueiro.

Ainda ajudava mãe
ralar milho e ralar coco
porque dentro da cozinha
era mesmo coisa de louco
mas pra festa ser porreta
valia qualquer sufoco.

Então lá prás cinco horas
parava de trabalhar
do cacimbão eu tirava
água para me banhar
me trancava lá no quarto
e ia me ajeitar.

Vestia a roupa novinha
comprada lá na cidade
calçava até um sapato
que para bem da verdade
era sempre muito apertado
não me deixando à vontade.

Naquele tempo era doido
pra ter uma namorada
mas era muito acanhado
nunca enfrentei a parada
e reclamava da sorte
sem nunca ir à caçada.

Pai acendia a fogueira
meu tio soltava um balão
meus irmãos queimavam fogos
na ponta de um tição
mãe terminava as comidas
e vô tomava um quentão.

E pouco a pouco ia chegando
o povo da redondeza,
os compadres de meus pais,
Tio Dito, Tia Tereza
e o melhor, minhas primas
Das Dores, Neves e Andreza.

Com pouco mais Zé da Vagem
um dos grandes sanfoneiros
chegava trazendo o fole
juntamente com os parceiros
Tõe Zinebra do triângulo
do zabumba, João Medeiros.

Com o trio lá na latada
principiava a festança
o repertório do rei
(que não sairá da lembrança)
animavam os forrozeiros
ralando pança com pança.

Quem gosta dum rala-bucho
aproveita a ocasião
pra se esbaldar no forró
porque não falta opção:
quadrilha, xote, xaxado,
ciranda, coco e baião.

Logo a poeira subia
de tanto o povo dançar
era preciso vez em quando
então o salão molhar
sobre o reclame do povo
que não queria parar.

Mesmo com tanto alvoroço
eu não tinha muito agrado
eu tomada umas batidas
olhava meio de lado
mas não encontrava jeito
de me sentir animado.

Gostava do movimento
mas ficava só por fora
via o povo no forró
e me sentia um caipora
e pensava assim comigo:
inda vai chegar minha hora.

Mas uma vez, meu compadre
tive um São João diferente
foi um São João tão pai d’égua
que mexeu com minha mente
eu já não era mais o mesmo
daquele dia pra frente.

É que mesmo com vergonha
cismei de participar
duma quadrilha que Neves
inventou de preparar
e eu fiquei todo cabreiro
do convite recusar.

Na quadrilha foi meu par
Carolina, sua amiga
dessas meninas modernas
que sempre mostra a barriga
e os roliços das coxas
e pros faladores não liga.

Desde pequena morava
com uns tios na capital
mas seu pai soube umas coisas
que não achou muito legal
trouxe então ela de volta
pra sua terra natal.

Pois bem, no primeiro dia
que a gente foi ensaiar
vestiu um short bem curto
apertado de lascar
e um tal de bustiê
somente pra provocar.

E eu ali todo matuto
como quem não quer querendo
achando que a danada
nada em mim estava vendo
vestia-se assim desse jeito
mas não era se oferecendo.
E haja "xis", "grande roda"

"Olha a chuva", "balancê",
"Caminho da roça", "serrote",
"passeio de dama", "ganchê",
"bolo de noiva", "cobrinha",
"changê de dama", "voltê".

E quem disse que eu acertei
os passos naquele dia
passava os pés pelas mãos
foi a maior agonia
e Carolina mangando
dos erros que eu fazia.

Perguntou: por que você
não tá dançando direito?
Lhe respondi positivo
mesmo assim meio sem jeito:
- é que ocê com esses trajes
abala qualquer sujeito.

Ela riu toda marota
mas disse sem se alterar:
vou lhe dar mais uma chance
para você melhorar
se isso não acontecer
vou arranjar outro par.

Ouvindo isso, meu amigo
enchi de ar o pulmão
e disse a ela: tá certo
não irei errar mais não
Tá vendo que eu não queria
perder aquele avião!

Me concentrei direitinho
nas ordens do marcador
não troquei mais nenhum passo
parecia um professor
de dança, e Carolina disse:
aí sim, eu dou valor.

Daquele dia em diante
eu só tive um pensamento
de chambregar com Carolina
imaginando esse momento
de tanto sonhar com ela
quase tive um passamento.

Até que chegou o dia
da grande festa esperada
a quadrilha estava pronta
devidamente ensaiada
as roupas de chita, belas
E a tropa toda animada.

As fogueiras já ardiam
clareando o meu Nordeste
pois na noite de São João
esta terra se reveste
de um brilho que se estampa
em todo cabra-da-peste.

Dançamos nossa quadrilha
tudo saiu na medida
Carolina estava bela
com linda roupa vestida
cheia de renda e babados
sobre a chita colorida.

A sanfona deu um tempo
então fomos convidados
para provar das delícias
dum cardápio variado:
muita canjica, pamonha,
milho cozido e assado.

Angu, xerém, manguzá,
pé-de-moleque, paçoca,
mais bolo souza leão,
e bolo de mandioca,
manuê, bolo de milho,
arroz-doce e tapioca.

O fole roncou de novo
e Carolina eu chamei
pro salão pra dançar xote
ela aceitou, eu vibrei
depois de umas 03 músicas
tomei coragem e lasquei:

Chamei pra ir lá pra fora
tomar um pouco de ar
saímos pois de mãos dadas
num tronco fomos sentar
um sentimento atrevido
mais alto pôs-se a falar.

Olhei dentro de seus olhos
pareciam dois tições
ardendo assim de desejos
de recolhidas paixões
então beijei-lhe de súbito
sob estouros de rojões.

Ela beijava e arfava
como um fole de oito baixos
eu cheirava seu cangote
fungando sob seus cachos
num remelexo que só
há entre as fêmeas e os machos.

Nosso forró teve fim
como tem fim a fogueira
tive outras Carolinas
por essa vida estradeira
mas nenhuma inda apagou
as lembranças da primeira.

FIM
Timbaúba-PE, Abril - 97