quarta-feira, maio 24, 2006

Dança Pernambuco!


Em 1985 recebi a encomenda de escrever um cordel que serviria como programa do DANÇA PERNAMBUCO!, espetáculo de dança popular montado por um grupo do mesmo nome, cordel este que deveria explorar como tema as diversas danças que compunham a apresentação. Foi este meu segundo cordel publicado.



As deusas da criação
me mandaram escrever
umas linhas instrutivas
para o povo conhecer
nossas danças populares
e as tentar reviver.

Não sei se é luz divina
ou raios do Universo
- alguma força pagã?
Que ora me deixa imerso
no éter da poesia
delineando o meu verso.

Neste momento específico
eu me vejo preparado
para relatar em verso
o que tenho observado
nas vilas e arrebaldes
por onde eu tenho passado.

Viajei por mil lugares
procurando nas andanças
recolher informações
para conhecer as danças
do FOLCLORE BRASILEIRO
nos folguedos e festanças.

De mais valor descobri
que o negro escravizado
entre o branco e o indígena
sempre foi o mais dotado
para a dança e para a música
tendo papel consagrado.

Além de criar os seus
ritmos peculiares
integrou-se aos folguedos
de origens seculares
pondo um tempero africano
nas danças doutros lugares.

O negro foi quem mais deu
danças à nossa Nação
apesar de viver sempre
numa eterna escravidão
ontem, corrente e chicotes
hoje, discriminação.

Por isso neste trabalho
haverá em quantidade
danças de origem negra
pois elas são na verdade
retrato de uma raça
de muita criatividade.

O índio, pobre coitado
não construiu fortaleza
quase que foi dizimado
pela gente portuguesa
sua cultura tão rica
não teve grande defesa.

Mas as danças populares
agora serão descritas
quem já viu, verá de novo
como elas são bonitas
cheias de cores e brilhos
nas pedras, contas e fitas.

No batuque na Mãe África
em noite de devoção
fez-se o samba e lundu
no banzo da solidão
do cansaço, dos chicotes
nas costas em punição.

Das aldeias de outrora
deixadas em Zanzibar
retorceram na memória
os reinos do além-mar
cativos, os seus axés
se fizeram acompanhar.

E havia os Reis de Congo
pelos pretos respeitados
e nas noites em que eles
deviam ser coroados
os batuques pelas ruas
seriam logo escutados.

E no adro da igreja
com toda corte real
o rei e a sua rainha
em destaque especial
dançavam com os seus súditos
até o sol dar seu sinal.

Saía então pelas ruas
o cortejo desfilando
um rasgo de liberdade
por sobre a noite cantando
assim, o MARACATU
na época foi se formando.

No início era um cortejo
ao afoxé comparado
mas depois se transformou
no MARACATU falado
cuja nação mais famosa
foi O LEÃO COROADO.

No batuque, nas baianas
no baque solto ou virado
nos caboclos, guarda-sol
damas-de-paço, de lado
resistem para manter
a magia do passado.

Escravos no cativeiro
treinavam por brincadeira
para ficarem em forma
na sua dança ligeira
era o JOGO-DE-ANGOLA
origem da CAPOEIRA.

Não foi aceita por brancos
a polícia perseguiu
e das ruas do Recife
a capoeira sumiu
deixando rastro no passo
de onde o FREVO surgiu.

Os negros na capoeira
mostram todo seu vigor
os movimentos sutis
retratam com esplendor
uma luta nacional
que vai ter o seu valor.

O berimbau-de-barriga
num ritmado dolente
marca o compasso dos passos
num jogo malemolente
de pernas, braços e troncos
coreograficamente.

Quando os clarins anunciam
estimulando o mormaço
Pernambuco inteiro pula
com todo desembaraço
desenhando pelas ruas
o improviso do passo.

Um FREVO altissonante
alucina a multidão
que encontra nesse binário
um eco pra ilusão
(ofuscar todos problemas
na "tesoura", no "rojão").

São movimentos viris
são brados duma euforia
toda avenida tomada
de cores, sons, alegria
com blocos, clubes e troças
efervescendo a folia.

E durante esses três dias
o frevo tem seu reinado
nas ruas pernambucana
mas vem sendo ameaçado
pela degeneração
do frevo eletrificado.

Das verdes matas de outrora
por entre ruas avança
formado por dois cordões
no vigor febril da dança
os "CABOCLINHOS" ligeiro
nos traz do índio a lembrança.

Herança dos Tabajaras,
Tupis e Tupinambás
numa dança vigorosa
encantadora demais
ao som de gaita e da caixa,
bombo e caracaxás.

E das preacas batendo
pra fazer a marcação
os cabeçotes de penas
de aves como pavão
multicores, enfeitadas
reluzindo sedução.

Tem uma coreografia
que é bastante variada
"aldeia", "cipó", "toré",
o "baiano", a "emboscada",
"traidor", "passo-de-guerra",
de pés em pés recriada.

Maracatu, caboclinhos
junto ao frevo sem igual
foram o tripé da festa
que se chama CARNAVAL
na terra pernambucana
de renome nacional.

Atravessando o compasso
do tempo, grande armadilha,
vamos às danças de junho
COCO, CIRANDA e QUADRILHA
damas da festa com quem
o XAXADO compartilha.

Na noite em que a mãe Lua
mostra a sua exuberância
e as águas do oceano
à praia trazem fragrância
a CIRANDA vai rodando
qual brincadeira da infância.

Caixa, zabumba e ganzá
num toque demais cadente
marcam o giro da roda
que se forma de repente
mãos nunca antes tocadas
se unem fraternamente.

E no balanço do mar
sob a lua prateada
a roda da fantasia
vai pelo mestre guiada
cheiro de peixe no ar
das águas da madrugada.

Mas ela vai mais distante
nos engenhos, frente à cana
nos morros, nos arrabaldes,
roda nos fins-de-semana
nas cidadelas da Zona
da Mata pernambucana.

Lá das cortes imperiais
uma dança de salão
veio pro meio do povo
espalhou-se no sertão
a QUADRILHA européia
fincou-se no nosso chão.

"Alavantu", "grande roda",
"olha a chuva", "balancê",
nas noites de São João
é sempre o que a gente vê
o mestre na marcação:
- "Changê-de-damas", "voltê"...

Se realiza o casório
como comédia singela
juntos, todos personagens,
armando grande novela
pra casar o noivo astuto
que não quer mais a "donzela".

"COCO-DE-RODA-PRAIEIRO"
no solo pernambucano
no Ceará diz: - presente!
e tem o coco-alagoano
mas também se "quebra coco"
no brejo paraibano.

MINEIRO-PAU, BAMBELÔ
e o COCO-DE-EMBOLADA
frutos da mesma semente
pelo Nordeste espalhada
tendo a raiz africana
que à força aqui foi plantada.

Se teve origem africana
não se livrou da influência
dos índios com seus bailados
e foi dançado em residências
hoje se mostra nas ruas
em vias de decadência.

- "O meu barco é um veleiro
pelas ondas deste mar"-
- "Oh menina, vem pro coco
vem pro coco balançar! -
- "Venha cá, moça bonita,
me dê um laço de fita
para de ti me lembrar".

E no tempo do cangaço
no mato foram criados
cantos de guerra dos grupos
antes dos choques armados
eram "macaco" e "jagunço"
brigando desnorteados.

E daí nos veio o XAXADO
dança muito interessante
xaxando, são as chinelas
em movimento raspante
a sola por sobre o chão
fazendo um som bem marcante.

De primeiro era dançada
por cabra-macho somente
mas mulher hoje em dia
na dança se faz presente
embelezando o XAXADO
dança de cabra valente.

Essas são as principais
danças em exibição
nas festa do mês de Junho
em louvor a São João,
a Santo Antônio e a São Pedro
do litoral ao sertão.

Avançaremos nos meses
como um fiel peregrino
pra louvar o nascimento
do Senhor Jesus Menino
com danças que fazem parte
deste ciclo natalino.

Natal, Ano Novo, Reis
as três datas principais
de louvor e de folguedos
nas vilas, nos arraiais
com estas danças herdadas
de nossos avós, nossos pais.

Dança de grande beleza
no folclore brasileiro
transformou-se no REISADO
que terá o seu roteiro
famosa nas Alagoas
tem o nome de GUERREIRO.

O GUERREIRO é uma dança
onde os seus executantes
trazem vestes coloridas,
reluzentes e brilhantes
espelhos, contas e fitas
multicores, contrastantes.

Trazem nas mãos espadas
e chapéus especiais
coroas, cones, tiaras,
pirâmides e catedrais
estes dançantes guerreiros
se destacam dos demais.

Fazem a sua louvação
ao dono da moradia
ao Jesus Cristo e Reis
São José, Virgem Maria
depois se vão para a sala
dançar com grande alegria.

As espadas se tocando
em bonitas embaixadas
entoam loas e cânticos
marchas e outras toadas
fazem as danças de guerra
cadentes e compassadas.

Também existe o REISADO
neste ciclo natalino
é dançado em toda parte
deste solo nordestino
homenagem aos Reis Magos
que saudaram o Deus-Menino.

Toada, loa, entremeio
numa noite de Natal
relembrando o nascimento
do Filho Celestial
alegremente cantando
revivendo o ritual.

Tem suas variações
de um pra outro lugar
vão andando pelas ruas
numa casa vão parar
aos donos pedem licença
e entram para dançar.

Como fossem os pastores
que nas terras de Belém
visitaram o Deus-Menino
venerando o Sumo-Bem
eles cantam, brincam, dançam
da forma que lhes convém.

Tem rei, mestre e contramestre
palhaço e embaixadores,
contraguias, contrapassos,
junto a outro dançadores
tem Mateus e Catirina
pro gracejo dos senhores.

Todas suas fantasias
tão ricamente adornadas
saiotes de cetineta
chapéus de abas dobradas
com espelhinhos e fitas
de cores bem variadas.

Integrante do REISADO
ou reisado independente
o nosso BUMBA-MEU-BOI
pelo Brasil diz presente
desde o sul até o norte
mas com feição diferente.

BUMBA-MEU-BOI, BOI-BUMBÁ
- vem comandar, Capitão!
O teu CAVALO-MARINHO
quer começar a função
chama Mateus, Catirina,
a Caipora e o Bastião.

Chama o Babau e a Ema,
o Jaraguá, o Vaqueiro...
chama todos pra arena
pra dançar neste terreiro
o folguedo mais autêntico
do folclore brasileiro.

Morra o boi e ressuscite
para brincar novamente
onde estão as bexigadas
para bater no Valente,
no Padre, na Zabelê,
para alegrar toda gente.

Além destas mais comuns
nas festas de fim-de-ano
tem o PASTORIL (PRESÉPIO)
que difere do profano
no tema religioso
que domina todo plano.

O PRESÉPIO geralmente
é composto por mocinhas
vestidas como a Diana,
a Cigana e pastorinhas
e ao longo das jornadas
entoam tenras marchinhas.

As pastoras vão formando
os cordões de cada lado
de um, o cordão azul
e do outro o encarnado
e no PASTORIL PROFANO
tem mais o velho safado.

Com o seu rosto pintado,
paletó extravagante
tira marchas, diz piadas
não pára um só instante
é no pastoril profano
o velho, seu comandante.

O Exótico, o deboche
a picardia presente
penetrando a madrugada
para a platéia assistente
compra "votos" dos cordões
cada qual mais indecente.

Somente agora me veio
este folguedo à lembrança
que semelhança possui
com outra de nossa dança
esta dança é o FANDANGO
bem semelhante à CHEGANÇA.

O FANDANGO nordestino
é um auto popular
sobre a Nau Catarineta
pelos mares a vagar
sete anos e um dia
sem achar onde atracar.

Se acabam os mantimentos
e o pobre do Capitão
por acaso é sorteado
a servir como ração
para que sobrevivesse
da nau a tripulação.

Mas graças à Providência
bem no momento fatal
o gajeiro galga o mastro
e salva o pobre mortal
"Avista terras de Espanha
Areias de Portugal..."

do BATUQUE nós tivemos
o LUNDU, que nos legou
o seu filho, nosso SAMBA
que pelo Brasil se espalhou
também nos deu o MAXIXE
que muito tempo reinou.

No LUNDU, dança lasciva
excitante, sensual
a cabrocha vai pro centro
com requebros sem igual
faz convite a um parceiro
para formar um casal.

O instinto fala alto
e surge na roda então
um companheiro excitado
pela grande sedução
num ritual de requebros
libido e excitação.

Como o LUNDU de outrora
o MAXIXE tem também
um cheirinho de pecado
que não faz mal a ninguém
o corpo malemolente
procurando ir mais além.

Dois parceiros excitados
se exibindo à vontade
nos lembram os negros nos
ritos de fertilidade
pois o MAXIXE possui
grande sensualidade.

É dança brasileiríssima
que se encontra esquecida
merece ser preservada
pelos jovens conhecida
além disso, executada
divulgada e mais querida.

O SAMBA é mais cadência
relemexo nas cadeiras
sapateado liberto
nas ruas e nas gafieiras
e tem mais aceitação
entre as danças brasileiras.

O nosso país precisa
com rigor e com urgência
divulgar nossa cultura
que está numa insolvência
valorizar o estrangeiro
dá-nos fatal dependência.
FIM

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